Ministério Público Federal pede paralisação de obras do Porto do Açu
Claudia Freitas
O Ministério Público Federal de Minas Gerais está pedindo a
paralisação das obras do mineroduto construído pela empresa
multinacional Anglo American, responsável por parte do projeto de
instalação do Complexo Portuário do Açu, idealizado pelo empresário Eike
Batista.
A ação civil pública, que foi ajuizada em 2009, está pronta para ser
julgada desde maio deste ano. O conteúdo do processo questiona a
fragmentação do procedimento de licenciamento do empreendimento,
tornando difícil um estudo globalizado dos impactos socioambientais
provocados pelas obras nos estados de Minas Gerais e Rio de Janeiro,
onde o porto está em construção.
O mineroduto começa no município mineiro de Conceição do Mato Dentro,
que fica a 167 quilômetros de Belo Horizonte, em Minas Gerais, e
deságua no V Distrito de Barra do Açu, em São João da Barra, no Rio de
Janeiro, atravessando 32 municípios entre os dois estados. Pelos dutos,
vem o minério de ferro que é utilizado na construção do porto. No fim de
semana, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase)
e o Grupo de Estudos em Temáticas Ambientais da Universidade Federal de
Minas Gerais (Gesta/UFMG), promoveram um encontro em Barra do Açu entre
moradores cariocas e mineiros, afetados pelas obras da Anglo e das
empresa do grupo EBX, do empresário Eike Batista, para discutir os
impactos socioambientais provenientes das instalações do Complexo
Portuário do Açu. O objetivo do evento foi a troca de experiências entre
as populações prejudicadas.
Na semana passada, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu a
queixa crime apresentada por agricultores do Açu, contra o empresário
Eike Batista, o governador do Rio, Sérgio Cabral, que está atuando nas
desapropriações das áreas do traçado do porto através da Companhia de
Desenvolvimento Industrial do Rio de Janeiro e o presidente do BNDES,
Luciano Coutinho, que liberou recursos para os investimentos. Em Minas
Gerais, a Procuradoria da República entendeu que o fracionamento do
empreendimento de Eike Batista foi totalmente ilegal e só ocorreu numa
tentativa de driblar os entraves ambientais próprios de programas amplos
como o Complexo do Portuário do Açu e que deveria ser realizado num
licenciamento único. “Um empreendimento que irá gerar impactos em mais
de uma unidade da federação, com significativa degradação ambiental,
atingindo localidade reconhecida pela Unesco como reserva da Biosfera,
comunidades tradicionais, áreas de Mata Atlântica em estágio primário,
áreas de preservação permanentes, além do próprio mar territorial
brasileiro, deve, por força da legislação nacional, ter o processo de
licenciamento conduzido pelo Ibama”, explicou o procurador da República,
Lucas Moraes, que está à frente das investigações.
O procurador disse ainda que “apesar de ser um empreendimento único, a
mina foi licenciada pelo Estado de Minas Gerais e o mineroduto foi
licenciado pelo Ibama, como se tal duto pudesse funcionar sem o minério
que provém da mina”, ressaltou. No ano de 2012, o MPF/MG recebeu o
comunicado de que foram feitas mais de 50 variações no traçado do duto, o
que sugere um novo Estudo de Impacto Ambiental, por atingir agora áreas
de preservação ambiental e alcançar trechos da Mata Atlântica. “As
consequências são outras com as mudanças operadas no traçado, inclusive
com novas populações são atingidas. O novo traçado ainda pode ter
impactado em outros 260 quilômetros de Mata Atlântica, mas o Ibama,
apesar de questionado pelo MPF, permitiu a alteração. Fomos a Juízo
pedindo novamente a paralisação do empreendimento, mas a Justiça negou”,
contou o procurador Lucas Moraes.
O novo traçado programado pela empresa Anglo e aprovado pelo Ibama
passa por três sítios arqueológicos, conhecidos como Córrego do
Maranhão, Toca dos Puris e um recém-descoberto sítio arqueológico que
fica no imóvel Fazenda Santa Cruz, no distrito mineiro de Alvorada,
todos no município mineiro de Carangola. Segundo o procurador Lucas
Moraes, as escavações da Anglo no Córrego do Maranhão já ocasionaram
prejuízos irreparáveis aos bens culturais da região. No local, havia uma
antiga aldeia Tupi Guarani do ano 400 depois de Cristo, sendo o mais
antigo sítio arqueológico dessa natureza na zona da mata mineira, que
foi destruído pelas obras da empresa, segundo as investigações do
MPF/MG. Pelo crime ambiental, a Anglo foi multada em R$1,2 milhão, que
está sendo aplicado na construção do primeiro Centro de Referência em
Arqueologia (CRA) no Estado de Minas Gerais.
A Toca dos Purís, que abriga um cemitério indígena do século XVIII,
ainda não sofreu a degradação das escavações, assim como o sítio da
fazenda Santa Cruz, que começou a ser ocupada pela Anglo na sexta-feira
passada ((23). “Na fazenda Santa Cruz, os pesquisadores encontraram
restos de cerâmica de origem pré-colombiana, que estão espalhados numa
área bastante extensa, que com a trepidação dos maquinários pesados
podem ser completamente destruídos”, ressaltou o procurador.
A advogada Carla de Araújo, que representa a família Musse,
proprietária do Sítio Santa Cruz, entrou com ação civil no Ministério
Público Federal solicitando que as obras da Anglo sejam delimitadas à
uma área de 50 metros do sítio arqueológico. As atividade iniciadas no
local na semana passada, estão à apenas 25 metros da reserva cultural.
“Essa distância não é segura para a preservação do bem recém-descoberto,
de acordo com o alerta de arqueólogos que estiveram na fazenda para
avaliar a situação. Porém, o IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional] liberou a mudança proposta da Anglo, diminuindo a
distância entre as escavações e o sítio arqueológico”, contou a
advogada. Segundo Carla, existe um caminho alternativo na parte detrás
da fazenda, que poderia ser utilizada pela empresa. “Isso prova a falta
de critério nas atividades da Anglo, que não prisma pela preservação do
meio ambiente”, destacou ela.
A assessoria de comunicação da Anglo American informou que a
construção do mineroduto foi a alternativa mais prática para o
fornecimento de minério para as obras do Complexo do Açu, instalado em
São João da Barra, Rio de Janeiro. O modal logístico foi escolhido por
apresentar o um custo mais baixo e menor impacto ambiental. A conclusão
foi baseada num estudo detalhado do impacto socioambiental do trajeto
que vai de Minas ao Rio de Janeiro, realizado pela empresa.